Sobre saúde mental: “Eu acho que o principal para desmistificar é a gente naturalizar, ou seja, naturalizando nós conseguimos quebrar um paradigma”
Nunca se falou tanto em saúde mental quanto nos últimos anos. A pandemia trouxe incertezas e medos para grande parte da população e isso acarretou no agravamento de transtornos mentais como a ansiedade e depressão.
Apesar de delicados, são assuntos que jamais devem ser deixados de lado. É preciso falar sobre eles, suas causas e impactos na vida das pessoas. Infelizmente, ainda há uma certa resistência em se buscar tratamento adequado junto a um profissional e esse é um dos grandes desafios da atualidade. Para nos contar um pouco mais sobre o tema e como superar tais desafios, a Coordenadora de Psicologia da Docway, Karen Valéria, é a nossa entrevistada do Fala, Docway #11.
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Saúde mental é um assunto importante que está na boca do povo, não só no mundo corporativo. Como podemos definir saúde mental?
Segundo definição da OMS, Saúde Mental é um bem estar completo em que o indivíduo consegue usar as próprias habilidades para se recuperar do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. Traduzindo, seria você conseguir administrar as questões do cotidiano. Todos nós vamos enfrentar problemas, dificuldades financeiras, relacionamento trabalho, então seria você conseguir realmente ultrapassar os obstáculos e administrar essas dificuldades usando uma rede de apoio e os recursos que você já tem.
Hoje em dia, vemos debates mais abertos sobre saúde mental e seus principais transtornos. Quais são os mais comuns e como identificá-los?
Os mais comuns são depressão e ansiedade e de fato, na prática clínica, são os transtornos com uma alta prevalência. Então provavelmente, o psicólogo clínico, vai ter mais pacientes com sintomas e sinais de depressão e ansiedade. Como identificar? Eu sempre falo que a identificação pelo próprio indivíduo, parte do princípio que você precisa ter um conhecimento do seu funcionamento natural e, a partir do fato de você conhecer o seu próprio funcionamento, você consegue identificar alguma anormalidade ou alguma dificuldade na sua rotina que possa estar impactando aí na administração do dia a dia.
Apesar do tema estar em alta, algumas pessoas não dão o devido valor aos tratamentos para melhorar a saúde mental. Como desmistificar o preconceito em relação a tratamentos psicológicos e psiquiátricos, como a terapia e medicação?
Eu falo sempre que a gente está em constante evolução. Antigamente, se usava muito o termo “loucura”, por exemplo. Ainda se usa, mas acho que isso já mudou um pouco. Acredito que, para a gente desmistificar, nós precisamos falar sobre o tema e isso é um processo que já avançou bastante nos últimos anos. Eu vejo se debatendo muito mais os temas em Saúde Mental do que antes. Então, os tabus eles vão caindo por terra e eu acho que o principal para desmistificar é a gente naturalizar, ou seja, naturalizando nós conseguimos quebrar um paradigma. Um exemplo: Se você está com uma dor de barriga ou uma dor de cabeça que não passa, você não hesita em procurar um profissional da área médica. Se você está com um sintoma de humor mais deprimido ou uma ansiedade, ainda existe um certo estigma em buscar um psicólogo ou um psiquiatra, principalmente o psiquiatra. O psiquiatra é um profissional temido, porque teoricamente é visto como médico dos “doidos”. Então acho que a gente precisa ir naturalizando isso e normalizar o assunto.
Como podemos oferecer suporte a uma pessoa (amigo, colega, familiar e etc.) que está passando por um momento de estresse psicológico?
Acredito que a capacidade de ouvir é muito importante, porque demonstra que você tem interesse naquilo que aquela pessoa está falando. Outro ponto é validar o sofrimento. Estávamos falando dos transtornos mais comuns, como a depressão: “Ah, é falta de Deus ou é falta do que fazer” ou então: “Você precisa sair mais”. Ok, a pessoa sabe que ele precisa sair mais, porém ela não consegue levantar da cama, não consegue escovar os dentes. Como é que ele vai sair socializar então assim? Acho que ter essa questão de menos julgamento e menos senso comum. Quando não sabemos o que dizer, a gente ouve e não fala nada. Eu penso dessa maneira. E também é importante, se tornar uma rede de apoio para as pessoas. Uma rede de apoio, ela pode ser constituída por amigos, por membros da família ou por colegas de trabalho. E essa rede de apoio é uma extensão do tratamento do indivíduo que está em sofrimento e que está em acompanhamento profissional, então assim você se faz presente e deixa a porta aberta para a ajuda.
Debater o tema é de grande importância para criar uma consciência de sua relevância. Como as empresas podem iniciar conversas sobre saúde mental com seus colaboradores e com qual frequência isso pode acontecer?
É um cenário bastante emergente. As empresas têm se preocupado cada vez mais com isso, até porque os próprios colaboradores e os próprios profissionais têm buscado ambientes que tenham essa preocupação de fato. Eu acredito que tem que ser uma preocupação legítima. A palavra norteadora para mim, é ser legítimo. O que significa isso? É você não fazer exclusivamente para cumprir um protocolo e divulgar que “Ah, a minha empresa se preocupa com a saúde mental do colaborador”. Além disso, é um tema que cabe em todas as pautas do dia a dia. Por exemplo, você vai trabalhar produtividade com seu time, você vai trabalhar metas com seu time e, automaticamente, você vai cair num comportamento procrastinador, você vai cair numa questão de o profissional não trabalhar bem sob pressão, você vai cair no clima corporativo não saudável. Ou seja, inevitavelmente, você vai cair nessas questões que são relacionadas à saúde mental. Portanto, a partir do momento que a empresa realmente se preocupa, ela tem essa preocupação legítima, as pautas do dia a dia vão se tornando mais naturais para inserir esse tema e ser levado para discussão com maior leveza e deixar todo mundo confortável. Consequentemente, você tem impacto nos resultados corporativos. É natural.
Qual o impacto que o mundo moderno (tecnologia com menos contato físico,
redes sociais, cobranças e etc.) têm na saúde mental das pessoas?
Eu vejo um impacto absurdo. A vida está mais corrida, as cobranças são maiores hoje em dia com o Home Office. Eu, por exemplo, trabalho dentro do meu quarto. Eu até brinco: “Eu moro nesta cadeira”, porque eu termino o trabalho com Docway, aí eu ainda atendo, então tem dias que eu sento às 8 horas da manhã e eu vou sair daqui 11 horas da noite. E, enquanto eu estou nessa cadeira, eu não estou só fazendo isso. Eu estou aqui dando essa entrevista, mas eu estou com a janelinha do WhatsApp aberta. Portanto, qual é o impacto da tecnologia e das redes sociais: A gente nunca está fazendo uma única coisa. Acredito que o principal seja isso. Além disso, temos uma questão que as redes sociais trouxeram muito para gente: a cobrança por produtividade. Nós não nos permitimos ficar ociosos, você não se permite “não estar fazendo nada”, porque todo mundo está fazendo alguma coisa. Exemplo, você está lá vendo a sua Netflix, mas o cara já às 5 horas da manhã fez a corrida e já fez o Crossfit. E você pensa assim: “Putz, cara, eu não estou fazendo nada. Eu estou ficando atrasado, eu preciso fazer alguma coisa, eu preciso produzir”. Ou seja, é uma cobrança constante e isso impacta muito no foco das pessoas. O fato da gente estar sempre se cobrando, da gente estar sempre fazendo mil coisas ao mesmo tempo significa que não se faz nada com 100% de atenção, além de gerar frustrações constantes
Apesar de vivermos em sociedade, cada pessoa é responsável pelas decisões que toma. Ao decidir cuidar da saúde mental, o que cada pessoa deve fazer? Existe algo além da terapia e da medicação que as pessoas podem fazer para cuidar da mente?
Penso que administrar melhor o tempo, porque nós tentamos administrar demandas, e às vezes, o tamanho das demandas que você assume não são comportadas dentro daquele tempo de fato. E aí você não vai conseguir dar conta porque ninguém conseguiria, só que se você não consegue dar conta, você se sente fracassado e não é que você é fracassado, é porque aquele tipo de demanda não cabe naquela organização de rotina. Outra coisa que eu acho importante, é a prática da atenção plena. Está até na moda hoje e muito se fala em Mindfulness. Ela é a prática da atenção plena. O que é isso? Eu vou sentar para comer e não vou comer assistindo televisão, mexendo no celular. Eu vou sentar, vou observar o meu prato, o que tem ali, as cores, eu vou levar cada garfada a minha boca, eu vou mastigar um alimento de cada vez, eu vou sentir o sabor eu vou, de fato, mergulhar e vivenciar aquele momento. E o outro ponto que eu acho que é uma palavrinha bem simples, mas que na prática é muito difícil de colocar é “limite”. Nós temos dificuldade em impor limites para nós mesmos e para o outro. É um exercício diário impor limites. Então, o meu ambiente de trabalho: é aqui que vai contemplar tudo que está relacionado ao trabalho, eu não vou pegar meu celular corporativo se eu estiver lá na minha sala fazendo a minha refeição. É o limite para si mesmo e o limite para o outro não invadir seu espaço e seus momentos.
Chegamos em mais um início de ano e queremos saber qual é o maior desafio da área de Psicologia para 2023. E quais são as tendências para os próximos anos?
Cuidar da saúde mental de fato é um compromisso, porque são atitudes contínuas, hábitos e mudanças que não acontecem da noite para o dia. Não basta levarmos o serviço de psicologia para as empresas e para as pessoas, porque a nossa pretensão é ampliar nossa abrangência. Queremos de fato manter o nível de qualidade e excelência, atingir outros públicos e levar, não só o “serviço de psicologia”, mas a saúde mental. E as tendências, bem, cada vez mais as pessoas buscam o serviço de Psicologia e elas também já buscam com mais informações, ou seja, a nossa tendência é ter um público cada vez mais exigente e justamente também por isso é um desafio bastante ambicioso: manter essa qualidade, pois o público está buscando um serviço com uma exigência maior de critério para contratação. Em contrapartida, têm mais pessoas buscando serviço e temos mais empresas oferecendo serviço. Acredito que a tendência e os desafios são esses: a gente ter uma maior concorrência, portanto o desafio com os concorrentes é grande, mas a gente conseguir mostrar o nosso diferencial que de fato é a qualidade técnica e a excelência.
Como líder de Psicologia na Docway, você tem conhecimento sobre gestão de pessoas e também de saúde mental. Qual é o papel do gestor na promoção de um ambiente de trabalho saudável e na segurança psicológica dos seus liderados? O que você diria para eles?
Estar próximo do time, conhecer os liderados, estabelecer vínculo saudável com eles faz toda a diferença. Se você não tem vínculo com seu colaborador, você não vai conseguir abordar ele para perguntar “Tá tudo bem?” Ele vai falar que está tudo bem e aquilo vai ficar ali, só que não tá tudo bem. Acredito que estabelecer um vínculo saudável é papel do gestor, além desse ponto de apoio, ser a pessoa que está ali para cobrar, mas que também está ali para amparar. Minha concepção de líder é isso. Ser uma figura de referência, e quando eu falo uma figura de referência, ela não é uma pessoa ser temida, porque o liderado deve respeito a ele. Eu acho que ele tem que ser admirado, e para você ser admirado, você precisa também ser conhecido mais profundamente pelo seu liderado. Para que isso aconteça, você precisa ter uma relação com ele. A pessoa precisa saber em que porta bater quando a coisa apertar e o gestor tem que ser essa porta e ele precisa estar preparado para essa função. Então, eu diria para os gestores que antes de gerir processos, eles precisam aprender a lidar e gerir pessoas, porque são as pessoas que fazem com que o processo aconteça. Se você tem pessoas saudáveis, você tem processos funcionando, então é uma relação direta. Converse com seu liderado, pergunte como ele está e se preocupe de forma legítima com ele.
Para oferecermos suporte a alguém que está passando por um momento de fragilidade emocional é importante ser próximo a essa pessoa e ser para ela um apoio, uma porta aberta.
Uma conversa, uma palavra amiga ou um simples “Como você está?” podem abrir caminho para a construção de uma relação e a possibilidade de criar um ambiente propício para o apoio à saúde emocional. Já pensou em ser essa pessoa? 🙂
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Até a próxima!