O Atlas de Saúde Mental da OMS não alcançou a maioria das metas de saúde mental nos últimos dois anos, mas a extensão do Plano de Ação de Saúde Mental para 2030 pode nos dar uma segunda chance.
Globalização. Se por um lado o fenômeno traz expansão comercial mundial, estreitando nossas fronteiras em termos financeiros e mercadológicos, também traz novas dimensões espaciais, temporais e cognitivas para nossa esfera particular. A globalização acaba por modificar nossa percepção das distâncias, nossa percepção de tempo, conectando a vida cotidiana com acontecimentos que ocorrem em outras partes do planeta, modificando nossa percepção cognitiva de como nos vemos e entendemos nós mesmos e o mundo que nos cerca, permitindo o engajamento com o “outro” no mundo.
E tudo isso tem um grande impacto em nossa saúde mental.
Segundo estudos publicados pela revista médica britânica The Lancet em 2019, o mundo vive uma crise na saúde mental e os países estão falhando em combatê-la.
De acordo com os 28 pesquisadores, trata-se de uma epidemia que se propaga com rapidez, sem que haja investimento por parte dos governos proporcional à gravidade do quadro: 13,5 milhões de pessoas ao ano poderiam ser salvas da morte, com tratamento adequado para os transtornos mentais.
O Atlas de Saúde Mental (Mental Health Atlas, em inglês) da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021 também revela um cenário decepcionante, apontando uma falha mundial em fornecer às pessoas os serviços de saúde mental em um momento em que a pandemia de Covid-19 ainda destaca uma necessidade crescente de apoio neste quesito.
Publicado a cada três anos, o Atlas é um relatório de dados de diversos países sobre políticas de saúde mental, legislação, financiamento, recursos humanos, disponibilidade e utilização de serviços. Além de ser um regulador de progresso em direção ao cumprimento das metas do Plano de Ação Integral de Saúde Mental da OMS.
Uma questão coletiva
Em entrevista à revista ComCiência de jornalismo científico, Bruno Ferrari Emerich, psicólogo e doutor em saúde coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que o modus operandi da sociedade atual está fortemente associado ao elevado número de casos de transtornos mentais no mundo.
“As mudanças nas relações interpessoais e na organização dos processos de trabalho fazem com que algumas pessoas fiquem mais vulneráveis ou sofram maior impacto na sua qualidade de vida e na sua saúde mental”. Emerich observa que a velocidade das mudanças traz uma urgência na resolução de problemas, que reflete em uma busca maior por tratamentos e medicalização, e também na culpabilização do indivíduo por questões que são coletivas. “Há uma padronização de modos de estar no mundo e isso acaba gerando muito sofrimento. Como se fosse culpa do sujeito, e não da perspectiva social de lidar com a diferença, de reconhecer o tempo e as escolhas de cada um”.
Efeito Borboleta
Enquanto aqui no Brasil a maioria das medidas contra a Covid-19 vêm sendo abolidas e a vida vai, aos poucos, voltando ao normal, várias cidades chinesas estão submetidas a restrições, como o rígido lockdown em Xangai, para conter o avanço do vírus que voltou a toda por lá.
Segundo o governo local, as medidas severas são para evitar que uma nova variante, cujas consequências são desconhecidas, tome novamente o mundo. A China hoje é o país que mais exporta mercadorias em todo o globo. Além disso, é uma grande importadora de produtos – é a nação que ocupa o 1º lugar no ranking de importações brasileiras, por exemplo. Sendo assim, o lockdown na China traz consequências para todo o planeta em termos mercadológicos, financeiros e comportamentais, pois a restrição de produtos e até alimentos pode afetar nossa rotina prática, social e individualmente.
Agora, imagine as pessoas lendo as notícias a respeito disso e pensando que tudo pode voltar a se tornar como há dois anos. Ou então ficando viciadas nos comentários sobre a invasão da Ucrânia e imaginando um cenário de Terceiro Guerra Mundial que pode acabar com a sua casa, o seu bairro, a sua cidade.
A “digitalização” das relações por meio das redes sociais é um evento recente, mas já existem estudos evidenciando o impacto negativo da utilização excessiva dessas plataformas na saúde mental dos usuários. Uma pesquisa realizada com mais de 6.500 adolescentes na Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, apontou que aqueles que gastam mais de três horas diárias nas redes sociais apresentam maior risco de transtornos mentais. Da mesma forma, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, no mesmo país, mostraram, em um estudo realizado com estudantes da mesma universidade, que a redução do uso das redes sociais para 30 minutos ao dia promoveu uma diminuição no sentimento de solidão e depressão entre os universitários.
A pandemia cobra seu preço
Enquanto a Covid-19 está perto de chegar a seu terceiro ano, o impacto sobre a saúde mental e o bem-estar de crianças e jovens, por exemplo, é alto e continua pesando muito.
Segundo dados da UNICEF, globalmente, pelo menos uma em cada sete crianças foi diretamente afetada por lockdowns, enquanto mais de 1,6 bilhão de crianças sofreram alguma perda relacionada à educação. A ruptura com as rotinas, a educação, a recreação e a preocupação com a renda familiar e com a saúde estão deixando muitos jovens com medo, irritados e preocupados com seu futuro. Mas dados da OMS também incluem adultos, sendo em sua grande maioria mulheres, mães entre 40 e 60 anos as mais afetadas.
Entre os adultos, a vida profissional, juntamente com as restrições da pandemia, continua sendo o grande agente causador de transtornos mentais. O aumento de jornadas exaustivas, imposição de metas abusivas, falta de reconhecimento e autonomia no ambiente de trabalho são algumas das possíveis causas de tantos afastamentos ligados à saúde mental. Sobre isso, inclusive, já falamos algumas vezes por aqui.
Nesse contexto, o que fazer pela saúde mental?
Tudo começa por criar consciência de que saúde mental é parte da saúde integral. O investimento tanto da iniciativa privada quanto governamental em serviços de auxílio para saúde mental de qualidade – integração e ampliação de intervenções baseadas em evidências nos setores de saúde, educação e proteção social são medidas mais do que urgentes para quebrar esse ciclo.
Além disso, é crucial quebrar o silêncio em torno da saúde mental, fomentar a cultura da escuta sem julgamentos (a chamada escuta empática), promovendo uma melhor compreensão da saúde mental e levando especialmente a sério as experiências de crianças, adolescentes e jovens.
Valorizar a rede de apoio entre pares – promovendo e valorizando esse diálogo entre os funcionários, alunos e familiares. E compreender que os efeitos da pandemia ainda estão se desdobrando tanto no âmbito de pesquisas médicas quanto sociais e precisamos estar preparados para demais consequências por enquanto desconhecidas.
E, claro, ter a plena consciência e cultivar o pensamento de que não faz bem que sejamos alienados do que acontece ao nosso redor. Mas tampouco é saudável devorar notícias, comentários, fotos, vídeos de tudo que se desdobra no planeta e alimentar uma ansiedade crescente por causa disso. Equilíbrio é fundamental, antes de tudo.
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