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Em meio a pandemia causada por um vírus avassalador,
encontro-me aqui, infectado, confinado, isolado, preso…
Um prisioneiro sem ter cometido crime algum.
Recluso nesse quarto pareço não viver.
Vegeto como algo sem importância vital.
Como, bebo, respiro e sinto meu coração bater.
As pernas parecem atrofiar-se. Meus braços seguem o mesmo caminho.
Porém, minha mente segue em passos largos,
segue sem destino, segue desgovernada.
Em uma das paredes do quarto, um quadro velho,
já surrado pelo tempo, tem o seguinte dizer
“Deus está contigo”.
A cada 10 minutos leio essa frase e a completo no meu pensamento
“Deus está contigo… e o vírus também”.
Já atrás da porta, um calendário antigo diz assim
“Somos frutos das nossas escolhas”.
Confesso que nem sei quem é o autor.
Porém, concordo que é uma frase impactante,
a qual me faz perguntar
“eu escolhi estar aqui?”
Enquanto aqui dentro a vida parece ter parado,
lá fora ela segue. Não mais como antes, mas segue.
As pessoas andam pelas ruas,
umas com medo,
outras com um falso medo.
Todos com suas máscaras.
Aliás, não todos.
Humanamente falando agora, não usam somente as máscaras internas,
externamente também carregam as suas máscaras.
Nesse quarto, assim como algumas pessoas lá fora, tenho meus medos…
Medo do medo, medo de enfrentar meus próprios medos,
medo de estar só comigo mesmo, medo da incerteza,
medo do esquecimento, medo do fim,
medo de lutar contra um vírus…
Mas talvez o meu maior medo seja o de lutar contra o meu próprio Eu.
Quarentena… O que pensar de uma palavra tão tola?
Eu penso em revelação.
Ela tem sido completamente reveladora.
Tem nos revelado coisas imperceptíveis,
somente capazes de perceber quando nos colocamos diante de nós mesmos.
Tem nos revelado o quanto somos frágeis.
Tem nos revelado o quanto somos irracionais.
Tem nos revelado o quanto somos inversores de valores.
Tem nos revelado o que de fato é importante.
Tem nos revelado o quanto temos medo.
Medo de estarmos frente a frente como nós mesmos.
Eu sigo no meu quarto.
Só. Aliás, é como devo estar… só.
Eu sigo minha batalha.
Sigo minha incansável luta,
minha luta diária,
minha luta contra um ser oculto.
Aliás, minha luta contra dois seres ocultos,
um vírus e meu próprio Eu.
Carlos Ribeiro é enfermeiro, pós-graduado em Urgência e Emergência e Docência. Atua como Enfermeiro Assistencial em um Hospital da Rede Privada de São Paulo e é Enfermeiro Operacional da Docway.